segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O ESPAÇO PÚBLICO COMO CONTEXTO DE UM PROCEDIMENTO QUE CLAMA POR ESPECIFICIDADE E NOMADISMO (Texto 1)

De onde vem e para onde vai a arte que produzo? Com que ambientes se articula? Seus procedimentos de criação e comunicação se tornam públicos? E seus produtos resultantes? Estas foram algumas das questões que nos moveram em direção a aprofundar nossa noção de arte pública neste projeto. Explicamos: temos, para todas as nossas obras, o entendimento de que a arte é a priori — ou pelo menos deveria ser — pública. No entanto este entendimento não nos foi suficiente desta vez, e lançando mão de todos os nossos desejos de produzir uma arte efetivamente relacional mergulhamos no caótico, complexo, violento e sedutor lugar onde partilhamos nossa existência com os nossos: fomos pras ruas, pras calçadas, pros cafés.

Desde o início tínhamos a certeza de que nossos interesses não poderiam ser desenvolvidos em outro contexto. O espaço público surge não como uma escolha arbitrária, mas sim como uma necessidade vital do projeto. Só nele a discussão que estamos propondo teria condições de ser desenvolvida. Além disso, não era para qualquer um que desejávamos falar. Estávamos — e findada esta fase do projeto estamos ainda mais — interessados que nossa arte tropece naquele que passa todos os dias pelo mesmo lugar, pega todo dia o mesmo ônibus, e provavelmente vive diversas vezes o mesmo dia.

Olhando pro espaço público como o da negociação coletiva, do “estar/conviver juntos”, saímos em busca de encontrar as formas mais intensas e desafiadoras de contribuir para uma convivência outra, para um outro pacto de partilha. Nicolas Bourriaud fala de um “estado de encontro imposto aos homens”. Passamos todos os meses de criação procurando brechas nesse encontro imposto em busca de torná-lo mais ativo e menos imposto, mais escolhido e negociado e menos massificado.

Imediatamente no momento que escolhemos fazer deste tipo de contexto nosso laboratório de criação e nosso foco de interesse, as armadilhas apareceram e se tornaram desafios. Pelas características que lhe são próprias, o espaço público tem a incrível habilidade de absorver ações, pessoas e estranhamentos. Muitas são as possíveis explicações para algo que rompe com alguma rotina: é uma manifestação, ou é um louco, ou propaganda política, ou alguém pedindo alguma coisa, ou então, ah! É mais um artista fazendo teatro na rua! Nenhuma dessas conclusões, fáceis e em certa medida limitadoras e já promotoras de pouca reflexão, nos interessava. Queríamos provocar outros tipos de percepção, daquelas das quais não se pode livrar assim tão rapidamente. Por outro lado não gostaríamos que nossas intervenções fossem completamente engolidas pelo caos, ficando fadadas a não serem percebidas ou somente percebidas por olhos iniciados. Uma difícil equação que acompanhou todo o processo.

Estamos interessados numa ação imediata, pontual, reconhecível e acessível a um público espontâneo. O corpo em ação resignificando um espaço-tempo real (real?), despertando a atenção para ele e oferecendo outras formas de observá-lo e de perceber o contexto a sua volta, mais críticas e criativas, produzindo recepções e reverberações imediatas e diretas da obra, transitando no limiar entre o estabelecido e o provisório, entre a institucionalização e o espaço público, entre a repetição e a diferença.

Poesia, radicalidade, complexidade, liberdade, diferença, fissura. Expressões que em nossas infiltrações convivem, nem sempre harmoniosamente, num espaço-tempo de ações quase possíveis, como comentaremos adiante.

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